Análise real/Integral de Riemann

Fonte: testwiki
Revisão em 22h58min de 14 de janeiro de 2023 por 2001:8a0:71d8:9100:b565:4a2:c140:50d0 (discussão) (citações)
(dif) ← Revisão anterior | Revisão atual (dif) | Revisão seguinte → (dif)
Saltar para a navegação Saltar para a pesquisa

Com origem histórica na antiguidade, o cálculo integral foi particularmente enriquecido a partir do momento em que Isaac Newton (1642-1727) e Gottfried Willelm Leibniz (1646-1716) lhe descobriram propriedades inversas da derivação. Até então foi sempre um assunto intimamente ligado ao cálculo de áreas e de volumes, que a partir de meados do século XVI sofre um desenvolvimento metodológico notável promovido principalmente, por Johann Kepler (1571-1630), Galileu Galilei (1584-1642), Buonaventura Cavalieri (1598-1647) e Evangelista Torricelli (1608-1647). Da sua importância bastará recordar o papel das áreas na descrição das leis físicas dos movimentos dos planetas, propostas por Kepler na sua Investigationes Astronomicae, e a segunda obra do mesmo autor, Nova Stereometria Doliorum Vinariorum, exclusivamente dedicada ao cálculo de volumes de sólidos.

Inspirando-se essencialmente no princípio da exaustão, largamente utilizado pelos matemáticos da Grécia antiga, desde Eudoxo (408-355 a.C.) até Arquimedes (287-213 a.C.), a base desse desenvolvimento encontra-se na introdução dos chamados indivisíveis ou infinitésimos, particularmente especificados de forma mais rigorosa por matemáticos do século XIX, entre os quais, Georg Bernhard Riemann (1826-1866). (Para uma descrição histórica detalhada sobre este tema veja-se[1][2][3])-

A integral de Riemann pode ter várias formulações. A versão que iremos apresentar é a devida a Jean-Gaston Darboux (1842-1917), publicada em 1875 nos Annales de l'École Normale Supérieur de Paris. Esta escolha apresenta algumas vantagens, pois sendo então a integral de Riemann uma consequência das integrais superior e inferior, as propriedades destes refletem-se necessariamente nas daquele. Esta ideia é explorada sempre que possível, com proveito em muitos casos.


A integral de Riemann têm como objetivo calcular a região limitada por funções limitadas em intervalos limitados. E calcularemos esta região através da divisão da mesma em retângulos.

  • Já sabemos que a área de um retângulo de lados "a" e "b" é dado por A(Área) = ab. Agora basta saber como faremos a divisão de uma figura por retângulos.

Propriedades de uma área no 2

  • Se a área for limitada por [a,b]x[0,f(x)]. Então temos x=a; x=b; y=0; y=f(x) limitando nossa figura.
  • Por ser 0<y<f(x), temos que f(x)>0;x.

Partição do domínio [a,b]

  • Quando particionamos a figura em retângulos, conseguimos calcular a área dela com um pequeno erro. É claro que enquanto maior for a partição, menor será o erro.
  • (f,P) significa que a área relacionada a função f estará sendo particionada na partição P.
  • Se tomarmos inicialmente o intervalo [a,b] e particionarmos uma vez, teremos P1={t0;t1;t2} com t0=a e t2=b. Aqui estamos dividindo o intervalo [a,b] em [t0,t1] e [t1,t2]
  • Generalizando, podemos particionar o intervalo [a,b] quantas vezes quisermos.
  • Estaremos trocando A(Área) por S(soma de áreas)

Soma inferior e soma superior

  • (A1) Sejam m e M; menor e maior "altura" do retângulo de base b-a
Sejam m=inf{f(x);x[a,b]} e M=sup{f(x);x[a,b]}
m(ba)M(ba). Tomando P0={a,b} temos S_(f;P0)S(f;P0)
  • (A2) Sejam mieMi; menor e maior "altura" do retângulo de base titi1
Podemos calcular a área da partição P1 da seguinte forma:
Por falta A(falta)=m1(t1t0)+m2(t2t1)=S_(f;P1) conhecido como soma inferior
Onde m1=inf{f(x);x[t0,t1]} e m2=inf{f(x);x[t1,t2]}
Por sobra A(sobra)=M1(t1t0)+M2(t2t1)=S(f;P1) conhecido como soma superior
Onde M1=sup{f(x);x[t0,t1]} e M2=sup{f(x);x[t1,t2]}
Como m1M1 e m2M2. Logo S_(f;P1)S(f;P1)
  • (A3) Seja m(ba)=m(t2t0). Tomando t1[t0,t2], temos m(t2t1+t1t0)=

=m(t2t1)+m(t1t0)m2(t2t1)+m1(t1t0)S_(f;P0)S_(f;P1), pois mm1 e mm2

  • (A4) o fato que S(f;P1)S(f;P0) é análogo a (A3)
  • (A2),(A3)e(A4) S_(f;P0)S_(f;P1)S(f;P1)S(f;P0).

Pelo que vimos acima, quando acrescentamos um único ponto a partição inicial [a,b], a nossa soma inferior ficou maior, e nossa soma superior ficou menor. A nossa idéia então é fazer com que elas se aproximem o suficiente até |S(f;P)S_(f;P)|<ϵ,ondeP será para nós quando limPiP|titi1|=0. Então encontraremos a área da figura.

Relações entre partição e subpartição

Lema 1 (refinando uma partição)

Sejam f:[a,b] limitada e as partições Pk1, Q cujo Q=Pk1{c}

S_(f;Pk1)S_(f;Q)S(f;Q)S(f;Pk1).
Demonstração

Sejam Pk1={t0,t1,...,tl1,tl,tl+1,...tk1,tk} e Q=Pk1{c} onde c[tl1,tl]

  • S_(f;Pk1)=i=1kmi(titi1)=i=1l1mi(titi1)+ml(tltl1)+i=lkmi(titi1)
  • S_(f;Q)=i=1l1mi(titi1)+m(ctl1)+m(tlc)+i=lkmi(titi1)
    • Onde m=inf{f(x);x[tl1,c]} e m=inf{f(x);x[c,ti]}
  • É verdade que ml(tltl1)=ml(tlc+ctl1)=ml(tlc)+ml(ctl1) como mlm e mlm. Então S_(f;Pk1)S_(f;Q)
  • De forma análoga se demonstra que S(f;Q)S(f;Pk1)

Teorema 1

Sejam f:[a,b] limitada, quando se refina uma partição a soma inferior não diminui e a soma superior não aumenta

Demonstração

Pelo Lema 1, Q é uma refinação da partição P.

Corolário

Sejam f:[a,b] limitada, e as partições P e Q, onde S_(f;P)S(f;Q).

Demonstração

Refinando P nos pontos de Q, e refinando Q nos pontos de P teremos S_(f;P)S_(f;PQ) e S(f;PQ)S(f;P). Como S_(f;PQ)S(f;PQ)S_(f;P)S_(f;PQ)S(f;PQ)S(f;P).

Integral inferior e integral superior

Seja f:[a,b] limitada e P* todas as partições de [a,b]

  • _abf(x)dx= sup S_(f;P*) é a integral inferior de f
  • abf(x)dx= inf S(f;P*) é a integral superior de f

Pelo Lema 1 S_(f;P*) sup S_(f;P*) inf S(f;P*)S(f;P*).

Logo S_(f;P*)_abf(x)dxabf(x)dxS(f;P*).

Lema 2 (soma conservada no refinamento)

Seja c]a,b[ e Q* são todas as partição de [a,b] que contém c. Assim Q*=P*{c}, então _abf(x)dx,abf(x)dx são únicos.

Demonstração

  • Em particular QQ*, ou seja, tomemos uma partição que contém {c}
Seja P=Qc; onde PP*.
Pelo Lema 1 S_(f;P)S_(f;Q)S(f;Q)S(f;P).
  • olhemos para o fato que A' = {cota inferior de Q} e B' = {cota superior de Q}; A = {cota inferior de P} e B = {cota superior de P}
AAseaAeaA,logoaa
sup A = sup A', pois c]a,b[
BBsebBebB,logobb
inf B = inf B', pois c]a,b[
  •  sup S_(f;P)= sup S_(f;Q) inf S(f;Q)= inf S(f;P).

Lema 3

Sejam A, B subconjuntos não vazios e limitados dos reais. (a) => (b)

  • (a) Se A={aA},B={bB}, então A+B={a+b;aA,bB}
  • (b) inf(A+B) = inf A + inf B ; sup(A+B) = sup A + Sup B

Demonstração

  • Dado aA,bB,temosainfA,binfBa+binfA+infB.
Assim inf A + inf B é uma cota inferior de A+B,
  • Dado ϵ>0,aA,bB;a<infA+ϵ2,b<infB+ϵ2a+b<infA+infB+ϵ
portanto inf A + inf B é o ínfimo do conjunto A + B
  • o sup se mostra analogamente

Corolário

Sejam f,g:[a,b] limitadas. Então

  • (a) sup(f+g)sup(f)+sup(g)
  • (b) inf(f+g)inf(f)+inf(g)

Demonstração

Se A=f([a,b]),B=g([a,b]), então C={f(x)+g(x);x[a,b]}A+B

pelo teorema inf(A+B)inf(C)sup(C)sup(A+B) e pelo lema 3 temos
(a) sup(f+g)=sup(C)sup(A+B)=sup(A)+sup(B)=sup(f)+sup(g)
(b) inf(f+g)=inf(C)inf(A+B)=inf(A)+inf(B)=inf(f)+inf(g)

Teorema 2

Sejam c[a,b],f:[a,b] limitada, então

  • (a)_abf(x)dx=_acf(x)dx+_cbf(x)dx
  • (b)abf(x)dx=acf(x)dx+cbf(x)dx

Demonstração

  • (a)Sejam A={S_(f/[a,c],P);PP*},B={S_(f/[c,b],P);PP*}
    • A+B={S_(f/[a,c],P)+S_(f/[c,b],P);PP*}={S_(f/[a,b],Q);QQ*}
      • pelo lema 2 e pelo lema 3 temos
        • _abf(x)dx=sup(A+B)=sup(A)+sup(B)=_acf(x)dx+_cbf(x)dx
  • (b)Sejam A={S(f/[a,c],P);PP*},B={S(f/[c,b],P);PP*}
    • A+B={S(f/[a,c],P)+S(f/[c,b],P);PP*}={S(f/[a,b],Q);QQ*}
      • pelo lema 2 e pelo lema 3 temos
        • abf(x)dx=inf(A+B)=inf(A)+inf(B)=acf(x)dx+cbf(x)dx

Lema 4

Seja A e A={xA;MxN};A[M,N]; Dado c temos:

  • (a)Se c> 0, então cA={c.xA;cMcxcN}
    • Assim: sup(cA)=csup(A)einf(cA)=cinf(A)
  • (b)Se c< 0, então cA={c.xA;cMcxcN}
    • Assim: sup(cA)=cinf(A)einf(cA)=csup(A)

Demonstração

  • (a)sup(cA)=cN=csup(A)
inf(cA)=cM=cinf(A)
  • (b)sup(cA)=cM=cinf(A)
inf(cA)=cN=csup(A)

Teorema 3

Sejam f,g:[a,b]

  • (a) _abf(x)dx+_abg(x)dx_ab[f(x)+g(x)]dxab[f(x)+g(x)]dxabf(x)dx+abg(x)dx
  • (b)
    • c>0
      • _abcf(x)dx=c_abf(x)dx
      • abcf(x)dx=cabf(x)dx
    • c<0
      • _abcf(x)dx=cabf(x)dx
      • abcf(x)dx=c_abf(x)dx
  • (c) Sef(x)<g(x)x[a,b], então
    • \underline {\int}_{a}^{b} f(x)dx \le \underline {\int}_{a}^{b} g(x)dx
    • \overline {\int}_{a}^{b} f(x)dx \le \overline {\int}_{a}^{b} g(x)dx

Demonstração

Funções integráveis

Das somas de Darboux destacamos as seguintes propriedades elementares.

  1. Para quaisquer partições P,Q𝒫([a,b]) tem-se sf(P)Sf(Q).
  2. Se P,Q𝒫([a,b]) são duas partições tais que PQ (caso em que Q se diz uma partição mais fina que P ou um refinamento da partição P) então sf(P)sf(Q) e Sf(Q)Sf(P).

As duas propriedades simples acima permitem-nos obter com facilidade a seguinte primeira condição de integrabilidade (ver [4]), muito comum na literatura.

Teorema

Uma função f:[a,b] limitada é integrável à Riemann se e só se

  • Para cada ϵ>0 existe P𝒫([a,b]) tal que Sf(P)sf(P)<ϵ.

Para provar este teorema comecemos por observar que pelas propriedades algébricas dos ínfimos e dos supremos se tem

a bf(x)dx_a bf(x)d=inf {Sf(Q1):Q1𝒫([a,b])}sup{sf(Q2):Q2𝒫([𝒶,𝒷])}=inf {Sf(Q1):Q1𝒫([a,b])}+inf{sf(Q2):Q2𝒫([𝒶,𝒷])}=inf {Sf(Q1)sf(Q2):Q1,Q2𝒫([a,b])}.

Deste modo, se f é integrável então para cada ϵ>0 existem Q1,Q2𝒫([a,b]) tais que 0Sf(Q1)sf(Q2)<ϵ. Assim, tomando P=Q1Q2, pela propriedade 2, teremos igualmente, 0Sf(P)sf(P)<ϵ.

Reciprocamente, se para cada ϵ>0 existir P𝒫([a,b]) tal que 0Sf(P)sf(P)<ϵ. então também 0Sf(Q1)sf(Q2)<ϵ, para quaisquer Q1,Q2𝒫([a,b]) que contenham P.

Exemplo 1 (funções monótonas)

Seja f:[a,b] uma função monótona no intervalo [a,b]. Então f é integrável em [a,b].

Supondo,por exemplo, que f é crescente em [a,b] (no caso decrescente, basta ter em conta que f é crescente), temos que f é limitada, pois f(a)f/x)f(b) para cada x[a,b]. Do mesmo modo, relativamente a uma qualquer partição P={x0,x1,...,xn} de [a,b]. a diferença de somas de Darboux Sf(P)sf(P)=1=1n(f(xi)f(xi1]))(xixi1). Ora, como (xixi1)|P| temos que Sf(P)sf(P)(f(b)f(a))|P|. Então para cada ϵ>0, se a partição P for tal que |P|<ϵ/(f(b)f(a)) obtemos Sf(P)sf(P)<ϵ. Logo a condição de Riemann é satisfeita e por conseguinte, f é integrável em [a,b].

Igualmente como aplicação da condição de Riemann podemos obter a integrabilidade das funções contínuas. Para o efeito, vamos usar uma propriedade importante das funções contínuas em intervalos compactos (isto é, fechados e limitados): a de serem uniformemente contínuas. Significa isto, que para qualquer α>0, existe β>0, tal que |f(x)f(y)|<α sempre que se tenha |xy|<β.

Exemplo 2 (funções contínuas)

Seja f:[a,b] uma função contínua no intervalo [a,b]. Então f é integrável em [a,b].

Comecemos por notar que, pelo teorema de Weierstrass, f é uma função limitada em [a,b]. Pela mesma razão, as somas de Darboux são somas de Riemann. Mais concretamente, para i=1,...,n, temos mi=f(ci) e Mi=f(di), com ci,di[xi1,xi], pelo que para a correspondente partição P={x0,x1,...,xn} de [a,b], vem Sf(P)sf(P)=i=1n(f(di)f(ci))(xixi1).

Então na condição de Riemann tomemos ϵ>0 arbitrário, na relação acima que define a continuidade uniforme de f em [a,b], façamos α=ϵ/(ba) e consideremos o valor β>0 cuja existência nos é garantida. Supondo que a partição P de [a,b] possui diâmetro |P|<β, temos por conseguinte, para cada i=1,...,n, que 0(f(di)f(ci))<ϵ/(ba) donde resulta Sf(P)sf(P)<ϵ. Logo pela condição de Riemann f é integrável em [a,b].

A condição do teorema assume um aspeto meramente técnico. Ela não nos dá qualquer indício das qualidades que a função deva verificar para ser integrável à Riemann.Um quadro qualitativo desta propriedade, aparece pela mão de Henri Lebesgue, na sua tese doutoral ("Intégrale, Longueur, Aire" (Integral, Comprimento, Área) apresentada na Faculdade de Ciências de Paris em 1902, com base no conceito de conjunto de medida de nula.

Referências

Seja f:[a,b]

Lema 5

Demonstrações

Predefinição:AutoCat

  1. U. BOTTAZZINI, Il Calcolo Sublime: Storia dell’Analisi Matematica da Euler a Weierstrass, Boringhieri 1981.
  2. C. B. BOYER, The History of the Calculus and its Conceptual Development, Dover 1949.
  3. C. H. EDWARDS, The Historical Development of the Calculus, Springer-Verlag 1979.
  4. Predefinição:Citar livro