Topologia/Grupo livre e apresentação de um grupo

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Revisão em 16h58min de 15 de janeiro de 2014 por imported>Abacaxi
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Monóide livre gerado por um conjunto

Sejam V um espaço vetorial e v1,,vn uma base de V. Dado qualquer espaço vetorial W e quaisquer elementos w1,,wnW, existe uma aplicação linear φ:VW tal que i{1,,n},φ(vi)=wi. Poderíamos dizer que isto acontece porque os elementos v1,,vn de uma base não estão "relacionados" uns com os outros (formalmente, são linearmente independentes). De fato, se, por exemplo, tivéssemos a relação v1=λv2 para algum escalar λ (e então v1,,vn já não seriam linearmente independentes), então a aplicação linear φ podia não existir.

Consideremos um problema semelhante com grupos: dado um grupo G gerado por um conjunto X={xi:iI}G e dados um qualquer grupo H e um qualquer conjunto Y={yi:iI}H, existirá sempre um morfismo de grupos φ:GH tal que iI,φ(xi)=yi? A resposta é não. Por exemplo, consideremos o grupo G=n=/n que é gerado pelo conjunto X={1}, o grupo Y= (com a operação de adição) e o conjunto Y={2}. Se existisse um morfismo de grupos φ:n tal que φ(1)=y, então 2n=nφ(1)=φ(n1)=φ(0)=0, o que é impossível. Mas se tivéssemos escolhido G=, então tal morfismo de grupos existiria e seria dado por φ(t)=2t. De fato, dado qualquer grupo H e qualquer yH, temos um morfismo de grupos φ:H definido por φ(t)=yt (em notação multiplicativa) que verifica φ(1)=y. De certo modo, podemos pensar que isto acontece porque os elementos do conjunto X={1} (que gera ) não verificam relações como nx=1 (como n) ou xy=yx. Portanto, parece que é um grupo mais "livre" do que n.


O nosso objetivo nesta seção vai ser, dado um conjunto X, construir um grupo gerado pelo conjunto X e que seja o mais "livre" possível, no sentido de não ter de obedecer a relações como xn=1 ou xy=yx. Para isso, vamos começar por definir um monóide "livre" (no mesmo sentido). Informalmente, este monóide vai ser o monóide das palavras escritas com letras do "alfabeto" X, onde a identidade vai ser a palavra sem letras (a "palavra vazia"), e a operação binária do monóide vai ser "juntar" duas palavras para forma uma nova palavra. A notação x1xn que vamos usar para os elementos deste monóide vai ao encontro da ideia de que os elementos deste monóide são palavras x1xn onde x1,,xn são letras do alfabeto X. Segue-se a definição formal deste monóide.


Definição Seja X um conjunto.

  1. Denotamos os n-uplos (x1,,xn) (com x1,,xnX e n{0}) por x1xn.
  2. Denotamos (), isto é, (x1,,xn) com n=0, por 1.
  3. Denotamos por FM(X) o conjunto {x1xn:n{0}x1,,xnX}.
  4. Definimos em FM(X) a operação de concatenação * por x1xm*y1yn=x1xmy1yn.


De seguida provamos que este monóide é efetivamente um monóide. Trata-se de um resultado de demonstração simples.


Proposição (FM(X),*) é um monóide com elemento neutro 1.

Demonstração A operação * é associativa porque, dados x1,xm,y1,yn,z1zpFM(X) quaisquer temos

(x1xm*y1yn)*z1zm=x1xmy1yn*z1zm= x1xmy1ynz1zm=x1xm*(y1ynz1zm)=x1xm(y1yn*z1zm).

É óbvio que (FM(X),*) tem elemento neutro 1.


Seguindo a ideia de que o monóide (FM(X),*) é o monóide mais "livre" gerado por X, vamos chamar-lhe monóide livre gerado por X.


Definição Seja X um conjunto. Ao monóide (FM(X),*) chamamos monóide livre gerado por X.


Exemplos

  1. Seja X={x}. Então FM(X)={1,x,xx,xxx,} e, por exemplo, xx*xxx=xxxxx.
  2. Seja X={x,y,z}. Então 1,x,y,z,xxx,yxz,xyzzzFM(X) e, por exemplo, xxx*yxz=xxxyxz.


Grupo livre gerado por um conjunto

Passemos agora à construção do grupo mais "livre" gerado por um conjunto X. Informalmente, o que vamos fazer é introduzir no monóide FM(X) os elementos inversos que lhe faltam para ser um grupo. Concretizando um pouco mais, vamos tomar um conjunto X¯ equipotente a X, escolher uma bijecção de X em X¯ e deste modo ficar com uma "associação" entre os elementos de X e os elementos de X¯. Então encaramos o elemento x1xnFM(X) (com x1,,xnX) como tendo o elemento xnx1 (com x1,,xnX) como inverso, onde os x1,,xnX estão associados a x1xn, respectivamente. Notemos que a ordem dos elementos em xnx1 está "invertida" porque o inverso do produto x1xn=x1**xn tem de ser xn1**x11, e os x11,,xn1 serão, respectivamente, os x1,,xn. A forma de fazemos com que xnx1 seja o inverso de x1xn é tomar uma relação de congruência R que identifica x1xnxnx1 com 1, e passar FM(XX¯) ao quociente por esta relação (definindo depois nesse quociente, de forma natural, a operação binária do grupo, [u]R[v]R=[u*v]R). Ao passarmos ao quociente, estamos a formalizar a ideia intuitiva de identificar x1xnxnx1 com 1, pois no quociente temos a igualdade [x1xnxnx1]R=[1]R. Passemos então à definição formal.


Definição Seja X um conjunto. Tomemos um outro conjunto X equipotente a X e disjunto de X e seja f:XX uma aplicação bijectiva.

  1. Para cada xX denotemos f(x) por x¯, para cada xX denotemos f1(x) por x¯ e para cada x1xnFM(XX) denotemos xnx1 por x1xn.
  2. Seja R a relação de congruência em FM(XX) gera por G={(u*u¯,1):uXX}, isto é, R é a interseção de todas as relações de congruência em FM(XX) que contêm G. Denotamos o conjunto quociente FM(XX)/R por FG(X).


Frequentemente, por abuso de notação, denotamos um elemento [u]RFG(X) simplesmente por u.

Uma vez que a operação [u]R[v]R=[u*v]R que queremos definir em FM(XX¯)/R está definida à custa de representantes particulares u e v das classes de equivalência [u]R e [v]R, um primeiro cuidado a ter é verificar que a definição não depende dos representantes escolhidos. Trata-se de uma verificação simples.


Lema Seja X um conjunto. Fica bem definida em FG(X) a operação binária por [u]R[v]R=[ur*vr]R (onde R é a relação de congruência de definição anterior).

Demonstração Sejam u,u,v,vFM(X) quaisquer tais que [u]R=[u]R e [v]R=[v]R, isto é, uRu e vRv. Por R se relação de congruência em FM(XX¯), temos u*vRu*v, isto é, [u*v]R=[u*v]R.


Visto então que a definição é legítima, apresentamo-la.


Definição Seja X um conjunto. Definimos em FG(X) a operação binária por [u]R[v]R=[ur*vr]R.


Finalmente, verificamos que o grupo que construímos é efetivamente um grupo.


Proposição Seja X um conjunto. (FG(X),) é um grupo com elemento neutro [1]R e onde [u]RFG(X),[u]R1=[u¯]R.

Demonstração

  1. (FG(X),) é associativo porque [u]R,[v]R,[w]RFG(X),([u]R[v]R)[w]R=([u*v]R)[w]R=[(u*v)*w]R= [u*(v*w)]R=[u]R[v*w]R=[u]R([v]R[w]R).
  2. Vejamos que [1]R é elemento neutro de (FG(X),). Seja [u]RFG(X) qualquer. Temos [u]R[1]R=[u*1]R=[u]R e, analogamente, [1]R[u]R=[u]R.
  3. Seja [u]RFG(X) qualquer e vejamos que [u]R[u¯]R=[1]R. Temos [u]R[u¯]R=[u*u¯]R e, por definição de R, u*u¯R1, isto é, [u*u¯]R=[1]R, logo [u]R[u¯]R=[1]R e, analogamente, [u¯]R[u]R=[1]R.


Analogamente ao que fizemos com o monóide livre, ao grupo mais "livre" gerado pelo conjunto X vamos chamar grupo livre gerado por X.


Definição Seja X um conjunto. Ao grupo (FG(X),) chamamos grupo livre gerado por X.


Exemplo Seja X={x}. Escolhamos um qualquer conjunto X¯={y} disjunto (e equipotente) de X. Seja f:XX¯ uma (na verdade, a única) aplicação bijectiva de X em X¯. Então denotamos f(x)=y por x¯ e denotamos f1(y)=x por y¯. Passamos a encarar x e y como elementos inversos. Seja R a relação de congruência de FM(XX¯) gerada por G={(1,1),(xx¯,1),(xxx¯x¯,1),}. FG(X)=FM({x,x¯}) é o conjunto das "palavras" escritas no alfabeto {[x]R,[x¯]R}. Por exemplo, [1]R,[x]R,[x¯]R,[xxx¯xx]RFG(X).

Temos GR e, por exemplo, (xxx¯,1)R, pois de (xx¯,1)GR (logo xx¯R1) e de R ser relação de congruência, vem que podemos "multiplicar" ambos os "membros" da relação xx¯R1 e obter xxx¯Rx. Encaramos xx¯R1 como significando que em FG(X) temos xxx¯=x (em rigor, [xxx¯]R=[1]R), e pensamos nesta igualdade como sendo resultado de um x "anular-se" com x¯ em xxx¯.

Dado uFM(XX¯), denotemos o número exato de vezes que a "letra" x ocorre em u por |u|x e denotemos o número exato de vezes que a "letra" x¯ ocorre em u por |u|x¯. Então "cortando" x's com x¯'s ficamos com uma palavra reduzida com |u|x|u|x¯ vezes a letra x (se |u|x|u|x¯<0, entendamos que não há letras x e fica (|u|x|u|x¯) vezes a letra x¯). Denotemos este número |u|x|u|x¯ por |u|xx¯. Temos

  1. [u]R=[v]R se e só se |u|xx¯=|v|xx¯ e
  2. [u]R,[v]RFG(X),|uv|xx¯=|u|xx¯+|v|xx¯.

Assim, cada elemento [u]RFG(X) fica determinado pelo número inteiro |u|xx¯ e o produto de dois elementos [u]R,[v]RFG(X) corresponde à soma dos seus inteiros associados |u|xx¯ e |v|xx¯. Assim, parece que o grupo (FG(X),) é "semelhante" a (,+). Com efeito (FG(X),) é isomorfo a (,+) e a aplicação ||xx¯:FG(X) é um isomorfismo de grupos.

Apresentação de um grupo

Informalmente, parece que n é obtido do grupo "livre" impondo a relação nx=1. Vamos tentar formalizar esta ideia. Partimos de um conjunto X que gera um grupo G que queremos criar e de um conjunto de relações R (tais como xn=1 ou xy=yz) que os elementos de G devem verificar e obtemos o grupo G/R gerado por G e que verifica as relações R. Mais precisamente, escrevemos cada relação u=v na forma uv1=1 (por exemplo, xy=yx escreve-se na forma xyx1y1=1) e encaramos uv1 como uma "palavra" de FG(X). Como R não tem necessariamente de ser um subgrupo normal de G, não podemos considerar o quociente FG(X)/R, pelo que consideramos o quociente FG(X)/R onde N é o subgrupo normal de FG(X) gerado por R. Em G/N, vamos ter uv1N=1N, o que encaramos como significando que em G/N os elementos uv1 e 1 são o mesmo. Assim, FG(X)/N vai verificar todas as relações que queremos e vai ser gerado por X (mais precisamente, por {xN:xX}). Formalizamos de seguida esta ideia.


Definição Seja G um grupo. Chamamos apresentação de G, e denotamos por <X:R>, a um par ordenado (X,R) onde X é um conjunto, RFG(X) e GFG(X)/N, onde N é o subgrupo normal de FG(X) gerado por R. Numa apresentação <X:R>, a X chamamos conjunto gerador e a R chamamos conjunto das relações.


Vejamos exemplos de apresentações do grupo livre FG(X) e dos grupos n, , mn e S3. Aproveitamos também os exemplos para expor alguma notação usual e mostrar que a apresentação de um grupo não tem de ser única.


Exemplos

  1. Seja X um conjunto. <X:> é uma apresentação de FG(X) porque FG(X)FG(X)/{1}, onde {1} é o subgrupo normal de FG(X) gerado por . Em particular, <{x}:> é uma apresentação de (,+)FG({x}), mais usualmente denotada por <x:>. Outra apresentação de (,+) é <{x,y}:{xy1}>, mais usualmente denotada por <x,y:xy1>. Informalmente, na apresentação <x,y:xy1> introduzimos um novo elemento y no conjunto gerador, mas depois impomos a relação xy1=1, isto é, x=y, o que na prática é o mesmo que nem ter introduzido y e ter ficado pela apresentação <x:>.
  2. Seja X={x}. <X:{xn}> (onde xn=xxFG(X) n vezes) é uma apresentação de n. Com efeito, o subgrupo de FG(X) gerado por {xn} é N={,x¯2n,x¯n,1,xn,x2n,}n e FG(X), logo n=/nFG(X)/N. É mais usual denotar <{x}:{xn}> por <x:xn>.
  3. Sejam X={x,y} (com x e y distintos) e R={xyx1y1}. <X:R> é uma apresentação de . Informalmente, o que fazemos é impor em FG(X) que haja comutatividade, isto é, xy=yx, ou seja, xyx1y1=1, obtendo um grupo isomorfo a . É mais usual denotar <{x,y}:{xyx1y1}> por <x,y:xyx1y1>.
  4. Sejam X={x,y} e R={xyx1y1,xm,yn}. <X,R> é uma apresentação de m×n. Informalmente, o que fazemos é impor a comutatividade da mesma forma que no exemplo anterior, e impomos ainda xm=1 e xn=1 para obtermos m×n em vez de . É mais usual denotar <{x,y}:{xyx1y1,xm,yn}> por <x,y:xyx1y1,xm,yn>.
  5. <{a,b,c}:{aa,bb,cc,abac,cbab}>, mais usualmente escrito <a,b,c:a2,b2,c2,abac,cbab>, é uma apresentação de S3, o grupo das permutações de {1,2,3} com a composição de aplicações. Para verificar isto, podemos verificar que qualquer grupo com apresentação <a,b,c:a2,b2,c2,abac,cbab> tem exatamente seis elementos id, a, b, c, a, ab e ac, e que a multiplicação destes elementos resulta na seguinte tabela de Cayley que é igual à tabela de Cayley de S3. Apenas para dar uma ideia de como o podemos fazer, um grupo com apresentação <a,b,c:a2,b2,c2,abac,cbab> tem exatamente os elementos id, a, b, c, a, ab e ac porque nenhuns destes elementos são iguais (as relações a2=b2=c2=abac=cbab=1 não permitem concluir que dois destes elementos são iguais) e porque "outros" elementos como bc são na realidade alguns dos elementos anteriores (por exemplo, de cbab=id temos cb=ab, e tomando inversos de ambos os membros, temos b1c1=b1a1, que, usando a2=b2=c2=id, isto é, a=a1, b=b1 e c=c1, resulta em bc=ba). Então, usando as relações da apresentação, podemos calcular a tabela de Cayley. Por exemplo, a(ab)=b porque temos a relação a2=1. Outro exemplo: temos b(ac)=a porque podemos multiplicar ambos os membros da relação abac=id por a e então usar a2=id. Podíamos ter suspeitado desta representação tomando a=(1 2), b=(1 3) e c=(2 3) e depois, tentando construir a tabela de Cayley de S3, descoberto que tal era possível se soubéssemos que a2=b2=c2=abac=cbab=1.
× id a b c ab ac
id id a b c ab ac
a a id ab ac b c
b b ac id ab c a
c c ab ac id a b
ab ab c a b ac id
ac ac b c a id ab


É natural perguntar se todo o grupo tem uma apresentação. O teorema seguinte diz-nos que sim, e dá-nos até uma apresentação.


Teorema Sejam (G,×) um grupo.

  1. A aplicação φ:FG(G)G definida por φ([x1]R[xn]R)=x1××xn (onde x1,,xnG) é um epimorfismo de grupos.
  2. <G:kerφ> é uma apresentação de (G,×).

Demonstração

  1. φ está bem definida porque todo o elemento de FG(X) tem uma representação única na forma [xn][xn]R com x1,,xnG, a menos de [1]R surgir várias vezes na representação, o que não afeta o valor de x1××xn. Sejam [x1]R[xm]R,[y1]R[yn]RFG(X) quaisquer, onde x1,,xm,y1,,ynG. Temos φ(([x1]R[xm]R)([y1][yn]R))=(x1××xm)×(y1××yn)= φ([x1]R[xm]R)×φ([y1]R[yn]R), logo φ é morfismo de grupos. Como xG,φ([x]R)=x, então G é epimorfismo de grupos.
  2. Pelo primeiro teorema do isomorfismo (para grupos), temos FG(G)/kerφφ(G)=G, logo <G:kerφ> é uma apresentação de (G,×).


O teorema anterior, embora dê uma apresentação do grupo G, não nos dá uma "boa" apresentação, pois o conjunto gerador G é usualmente bastante maior do que outros conjuntos geradores, e o conjunto das relações kerφ é também usualmente bastante maior do que outros conjuntos de relações suficientes (é até um subgrupo normal de FG(G), quando bastava que gerasse um subgrupo normal apropriado). Predefinição:AutoCat